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DA REDEFINIÇÃO JUDICIAL DE ACORDO TRABALHISTA HOMOLOGADO DIANTE DA PANDEMIA COVID-19

  • aranchipeadv
  • 23 de out. de 2020
  • 6 min de leitura
O DESCUMPRIMENTO DE ACORDO TRABALHISTA HOMOLOGADO DIANTE DA PANDEMIA COVID-19:

O tema em questão é atual e controvertido, e muitas são as batalhas judiciais a respeito da possibilidade ou não, de modificação, por ato do juiz, dos termos de acordo já homologado, ante a pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), que afetou drasticamente a economia de nosso País e do mundo, tratando-se de questão não unânime junto ao Tribunal Regional do Trabalho Gaúcho, travando-se discussões jurídicas se esta atitude judicial afronta ou não à constituição federal e a legislação infraconstitucional.

A corrente que defende a impossibilidade de alteração dos termos do acordo judicial já homologado sustenta que, embora o CNJ tenha determinado a suspensão dos prazos processuais até 30/04/2020 (Resolução nº 313/2020), o pagamento das parcelas objeto de acordo possui natureza alimentar e de direito material, sendo prazos estabelecidos pelas próprias partes, e não pela lei ou por ato do juiz.

Os defensores dessa corrente jurisprudencial, atualmente minoritária no TRT da 4ª Região, argumentam que os artigos 775, § 1º, II, da CLT, e art.222, § 2º, CPC, que dizem respeito à força maior e à calamidade pública, são invocados como motivo para a prorrogação apenas dos prazos processuais, e que o acordo homologado tem força de sentença irrecorrível, invocando as disposições dos arts. 840 e seguintes do Código Civil; dos arts. 487, III, e 966, §4º, do CPC; do art. 831, parágrafo único da CLT; do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal; e das Súmulas 100 e 259 do TST.

Aduzem, ainda, que o art. 317 do Código Civil não autoriza a revisão de transação judicial ou extrajudicial a pretexto de crise econômica.

Muito embora tenham os governos Federal e Estadual decretado Estado de Calamidade Pública, por meio do Decreto Legislativo 6/2020 e do Decreto nº 55.154/2020, respectivamente, nenhuma destas normas autoriza a suspensão de pagamento de acordos judiciais, de cláusula penal ou determina a suspensão da execução de títulos judiciais.

Desse modo, embora não se desconheça os efeitos nefastos causados na economia pela pandemia decorrente do COVID-19, tal corrente jurisprudencial adota o entendimento de que não há amparo legal para a suspensão ou modificação dos termos do acordo homologado quando requerido pela empresa em dificuldades financeiras, pois tal acordo homologado possui força de decisão irrecorrível, nos termos do art. 831, parágrafo único, da CLT. Há direito líquido e certo a ser protegido.

Ademais, se a empresa reclamada está enfrentando dificuldades financeiras, que lhe impossibilitem de cumprir o acordo nas condições originalmente estabelecidas, cabe a ela buscar a repactuação do acordo com credor, não cabendo ao juiz, segundo tal corrente, suspender o cumprimento ou modificar os termos do acordo entabulado entre as partes, afastando a incidência da cláusula penal, sob pena de afronta de garantias constitucionais, dentre as quais a coisa julgada, conforme previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, "verbis: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Pois bem! Com efeito, mesmo diante desse robusto panorama argumentativo acima, o entendimento majoritário atual dos desembargadores integrantes da Seção Especializada em Execução (SEEX) do TRT4, é da possibilidade de alteração dos termos de acordo já homologado diante da pandemia causada pelo COVID-19, que devastou nossa economia, conforme se demonstra no ementário abaixo:

AGRAVO DE PETIÇÃO DO EXEQUENTE. REDUÇÃO PARCIAL DE ACORDO JUDICIAL. PANDEMIA DE COVID-19. EFEITOS. Havendo reconhecimento do estado de calamidade pública em função da pandemia de COVID-19, constituindo hipótese de força maior no âmbito trabalhista, conforme a Medida Provisória nº 927, de 22.03.2020, é cabível a adequação dos termos do acordo judicial à situação atual das partes, que era imprevisível à época da formalização do ajuste, desde que a solução adotada seja razoável e atenda aos interesses de ambas as partes, caso destes autos. Sentença mantida (TRT da 4ª Região, Seção Especializada em Execução, 0020682-78.2018.5.04.0334 AP, em 20/07/2020, Desembargador Joao Batista de Matos Danda)

MÉRITO. AGRAVO DE PETIÇÃO DO EXEQUENTE. SUSPENSÃO DO ACORDO. CLÁUSULA PENAL. COVID-19. A grave crise econômica criada pelo isolamento social estabelecido para evitar o propagação de contágio pela Covid-19 resultou na edição do Decreto Legislativo nº 6/2020, que reconheceu o estado de calamidade pública, e da Medida Provisória nº 927/2020, que reconheceu tratar-se de hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da CLT, circunstância que dá amparo à readequação do acordo que estava em curso, com a suspensão do pagamento das últimas parcelas até 30.06.2020, com incidência de juros trabalhistas e atualização monetária pelo IPCA-E sobre o saldo devedor. (TRT da 4ª Região, Seção Especializada em Execução, 0021870-51.2019.5.04.0341 AP, em 17/08/2020, Desembargadora Maria da Graca Ribeiro Centeno)

CLÁUSULA PENAL SOBRE PARCELA DE ACORDO PAGA COM ATRASO. É de conhecimento público que as atividades da construção civil ficaram suspensas no Rio Grande do Sul com a orientação de isolamento social para fins de contenção da pandemia da Covid19, já verificada no Brasil desde março do presente ano. É de conhecimento público, também, que a sociedade gaúcha e brasileira vêm enfrentando graves problemas econômicos, pois as pessoas, especialmente trabalhadores autônomos formais ou informais, se viram do dia pra noite com suas atividades paralisadas e, por conseguinte, sem auferimento de renda, inclusive para suas necessidades básicas. Na hipótese dos autos, mesmo com todas as dificuldades impostas pelas novas regras de convivência, o executado vem honrando o acordo realizado em 28.01.2020, tendo pago a quarta parcela com apenas um dia de atraso, sendo, assim, desproporcional a aplicação de multa, ainda que prevista no acordo firmado entre as partes. (TRT da 4ª Região, Seção Especializada em Execução, 0020873-69.2019.5.04.0373 AP, em 17/08/2020, Desembargador Marcelo Goncalves de Oliveira)

A celeuma envolve situação notória e atual sui generis, sequer cogitada quando da celebração do acordo, até porque nossa geração jamais havia passado por uma pandemia, muito menos com efeitos tão devastadores. O recomendável é que nessas hipóteses houvesse designação de audiência para que, com bom senso, razoabilidade e sensibilidade, pudessem as partes buscar a repactuação da avença. Entretanto, a respeito de eventual pedido da empresa devedora pelo reparcelamento do acordo em que o credor se apresenta irredutível, defendendo o integral cumprimento da avença, é possível a alteração dos termos do acordo por ato judicial, sem que isso ofenda a coisa julgada.

Apreciando a questão, a Seção Especializada em Execução do TRT da 4ª Região, em seu voto prevalecente, entende que são inegáveis os efeitos que a crise causada pelo Covid-19 está causando às atividades econômicas, especialmente aquelas não consideradas essenciais, cujo funcionamento foi suspenso por Decretos do Poder Executivo a fim de evitar a propagação do contágio pelo Covid-19. Não há como negar a crise econômica criada pelo isolamento social, de outra parte que, ainda que eventual empresa executada tenha retomado suas atividades, impactou substancialmente a maior parte dos empreendimentos, obrigando os empreendedores a corte de custos e a novas soluções para tentar manter seus negócios e, por decorrência, seus empregados.

A situação atual tornou-se tão séria que levou o Poder Executivo Federal a editar a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, dispondo sobre "medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19)". O parágrafo único de seu artigo 1º reconhece que o período de estado de calamidade pública "constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho".

São inquestionáveis as dificuldades enfrentadas pelas empresas para o cumprimento de acordos celebrados antes da pandemia diante da crise econômica ímpar que surgiu abruptamente a partir do mês de março do corrente ano de 2020, causada por uma calamidade pública, configurando-se caso de força maior no âmbito trabalhista.

As medidas de isolamento impostas pelos governos estaduais e municipais afetaram inclusive o funcionamento do Poder Judiciário, tanto no âmbito do TRT da 4ª Região, conforme Portaria Conjunta nº 1.268/2020, como no âmbito nacional, consoante Resoluções nºs 313 e 314 do Conselho Nacional de Justiça.

Nesse contexto, tal corrente entende razoável a solução adotada por parte dos juízes trabalhistas de primeira instância, de repactuação judicial dos valores das parcelas vincendas, suspensão de parcelas vencidas ou de cláusulas penais, até porque o pagamento dos valores faltantes serão acrescidos de juros e correção monetária pelo IPCA-E, não havendo falar em redução do crédito alimentar.

Portanto, enquanto o Tribunal Superior do Trabalho ou o Supremo Tribunal Federal não pacificarem o tema, permanecerá a controvérsia no assunto, ainda que a jurisprudência majoritária gaúcha atual autorize o juiz a alterar, a pedido da devedora, os termos de acordo homologado outrora, sem a concordância do exequente, diante das dificuldades econômico-financeiras enfrentadas por todos no período de pandemia.

Porto Alegre/RS, outubro de 2020.

ARANCHIPE ADVOGADOS ASSOCIADOS – OAB/RS 8.840

HERO ARANCHIPE JR.

FERNANDO ARANCHIPE

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